Bebendo entre amigos – As confrarias da Cachaça

Posted by | July 18, 2017 | Artigos | No Comments

Por Manoel Agostinho Lima Novo*

Recentemente, alguém me perguntou como está o panorama da cachaça atualmente, em relação ao que era há dez anos. No que respondi que, embora se tenha muito ainda a fazer, melhorou muito, graças a várias ações que vêm sendo realizadas, isoladamente ou em conjunto. Uma das iniciativas que vêm colaborando para a evolução do mercado é a formação de um consumidor menos leigo para a cachaça. Cursos, palestras e encontros variados caminham nesta direção. E os grandes responsáveis por isto são as confrarias, clubes, academias e agremiações em geral. Precisamos falar desses grupos.

Confraria Paulista da Cachaça

Confraria Paulista da Cachaça

Nos últimos cinco anos, se multiplicaram as agremiações por todo o país cujo objetivo exclusivo é o de divulgar a cachaça. As confrarias ocupam lugar de honra nesse plantel.

Se buscarmos no Aurélio o termo “confraria” encontraremos duas definições clássicas, sendo uma delas a que vamos focar neste artigo: “associação ou conjunto de pessoas do mesmo ofício, da mesma categoria ou que levam um mesmo modo de vida”.

Conta a história de que a primeira confraria sem cunho religioso no mundo foi fundada em 1248, sob o nome de Chaine dês Rotisseurs, em Paris (ficou inativa de 1779 a 1950, quando retornou à atividade). Já no Brasil, a confraria ou similar mais antiga foi a Sociedade Brasileira de Amigos do Vinho, fundada em São José dos Campos (SP), em 1982. Aliás, no mundo do vinho pululam as confrarias e grupos que se reúnem para apreciar e discutir a bebida.

Como tudo na cachaça sempre foi mais difícil, demorou muito para que alguém decidisse criar uma confraria ou um clube com objetivos parecidos com as irmãs do vinho

Mas, já no puxando para a cachaça, muitas confrarias e agremiações foram criadas por este Brasil afora com o objetivo de agregar o merecido valor à cachaça, mas o fato é que poucas sobreviveram. Ribeirão Preto, Feira de Santana e Recife, por exemplo, foram palco de agremiações que nasceram e morreram no caminho.

Copo Furado

Uma das mais antigas agremiações em prol da cachaça é a Confraria de Cachaça Copo Furado, fundada no Rio de Janeiro em 1994, com o lema: “Unidos beberemos… sozinhos também”. Esta realiza duas reuniões mensais, sendo uma fechada aos confrades e outra aberta ao público, nas quais o foco é sempre a cachaça de alambique. Ainda há a promoção de palestras, degustações e atividades sociais como bailes de carnaval e festas juninas. “Temos orgulho de ser testemunhas da organização e da história social da cachaça nos últimos vinte anos e, sobretudo, de continuar defendendo o espírito de fraternidade e amor à cachaça”, diz o confrade Thiago Pires. “É com satisfação que vemos hoje, nas mais simples padarias ou nos mais sofisticados restaurantes, um lugar reservado à boa cachaça de alambique e temos certeza que o trabalho da Copo Furado, através de seus confrades foi e é fundamental para este resultado”.

O Clube Mineiro da Cachaça, em Belo Horizonte, tem uma sede pra lá de convidativa, com salão de degustação, e oferece no seu restaurante petiscos e pequenas refeições para acompanhar o vasto repertório líquido.

A Confraria Comida com Cachaça, em São Paulo, busca reunir a aptidão da gastronomia com a cachaça, fazendo uma bela parceria.

A turma do Copo Furado

A turma do Copo Furado

Candangos, bandeirantes e gaudérios

A Confraria da Cachaça do Brasil, fundada em 2000 no Distrito Federal, segue a linha das mais antigas que estão em pleno funcionamento, com reuniões mensais e está prestes a realizar sua 200ª degustação. Em suas reuniões, se discute sempre os rumos da nossa bebida. A instituição tem cadeira efetiva na Câmara Setorial da Cadeia Produtiva da Cachaça.

Em 2015, surgiu a Confraria Paulista de Cachaça, na capital. Um dos mais ativos e organizados grupos de apreciadores, eles se reúnem mensalmente, oferecendo aos participantes palestras e sempre uma ampla amostra de cachaças para degustação.

Nesta empreitada os pampas não ficaram para trás. Em Bento Gonçalves, em 2011, surgiu a Confraria Gaúcha da Cachaça, que, a partir de 2015 passou a contar também com sede em Porto Alegre, organizando palestras, visitas técnicas, degustações e variadas atividades ligadas ao liquido precioso, incluindo jantares, discussões técnicas, etc.

Há um ano surgiu o Clube Carioca da Cachaça, no Rio de Janeiro, e neste um ano de existência já fez duas visitas técnicas, realizou curso de sommelier de cachaça e ainda de blend. O grupo faz reuniões mensais, com divulgação na mídia social de todas as suas atividades. As reuniões são sempre abertas ao público.

E por ai vão todas as demais, como a Confraria Paranaense de Cachaça em Curitiba fundada há pouco tempo, a Confraria de Cachaça do Kariri, a Confraria Paraibana de Cachaça, em João Pesso,a com pouco menos de dois anos de existência, a, a Confraria Goiana da Cachaça em Goiânia. Citemos também o Clube Velhos Curtidos, no Rio de Janeiro, fundado no ano passado, entre outras.

Ainda temos no Rio de Janeiro a decana Academia Brasileira de Cachaça, que segue os moldes da Academia Brasileira de Letras, com membros imortais.

confraria gaucha

Confraria Gaúcha

Para que serve uma confraria?

O que essas agremiações tem feito de especial para a cachaça?  A proposta de todas elas é aprofundar o conhecimento sobre nossa genuína bebida, quebrando a discriminação. Algumas utilizam palestras e cursos com o propósito de trazer mais adeptos para o grupo de privilegiados apreciadores da nossa querida branquinha. Outras ainda fazem avaliações sensoriais, dando feedback aos produtores e ajudando-os a melhorar o seu produto, mas, de um modo geral, o que se tem é a criação de uma rede de amigos, em beneficio da bebida. Isto contribui muito para o setor.

José Darci, quando presidente da Confraria Gaúcha de Cachaça, me falou sobre o funcionamento daquela agremiação: “Nosso aprendizado consiste em dedicar uma parte da reunião para estudo teórico e experiências de análise sensoriais, além de visitas de estudo a alambiques num raio de 150 quilômetros”.

Uma coisa que percebemos nas reuniões desses grupos é a presença de jovens e de mulheres vem aumentando consideravelmente, o que nos mostra um rompimento da crença de um passado não tão distante de que a cachaça é bebida de velho e de homem.

Por fim, destaco que todo confrade se torna um militante. Com os conhecimentos adquiridos, se transmuta num consumidor exigente, reclamando da inexistência de boas cachaças nos lugares que frequenta e “doutrinando” seus interlocutores.

* Especialista e consultor em cachaças e integrante da Cúpula da Cachaça. Esse artigo está na Cachaça em Revista ed. V, entre outros textos escritos pelos membros da Cúpula. 

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